Aquela manchinha branca na testa definiu sua vida. Foi só por isso que ele, e não qualquer outro dos seus irmãozinhos, veio parar no meu colo. E porque fui eu quem o escolheu, sempre senti que ele era mais meu do que de todo mundo. Talvez por isso eu tenha topado passar tantas noites acordada, fazendo carinho naquela bola de pelo que se recusava a dormir. Será que foi pra tentar fazer com que dormisse que lhe demos a primeira bolinha? Puxa vida... como ele amava as bolinhas! O olhar de pidão do gatinho do Shrek poderia ter sido inspirado no olhar que ele nos lançava quando queria que jogássemos pra longe sua bolinha! Ninguém resistia. Mesmo quem não gostava de cachorro perdia alguns bons minutos jogando a bolinha de tênis e sorrindo enquanto ele a trazia de volta. Seu dilema era ganhar uma nova! Ele queria fazer a troca, mas não queria abandonar a antiga... e andava com as duas na boca!
Ele foi um dos meus melhores amigos naquela fase difícil da aborrescência. E o bom é que me ouvia por horas, sem fazer nenhuma reclamação ou dar conselhos que eu não queria ouvir – simplesmente chegava mais perto pra conseguir um carinho, e às vezes até cochilava! Eu me lembro de passar horas deitada no chão gelado da sala, ouvindo Backstreet Boys no CD Player [MP3? O que é isso?], e ele sempre ali, do meu lado. Se soubesse falar, certamente saberia também cantar aquelas músicas que ele tanto ouviu! Ele nunca foi muito de colo, mas sempre adorou que coçassem sua barriga – quando o carinho era bom, levantava as patinhas de trás.
Dizem que os cockers vivem bem com a cegueira. Acho que é verdade. Ele sempre sabia por onde passar, pra onde ir, sentia quando alguém se aproximava – e, acredito eu, até sabia quem era. Quando eu ia pra casa aos finais de semana, chorava feliz enquanto eu coçava sua barriguinha. Tenho certeza que sabia que era eu. Mas o tempo foi passando, e ele teve que se adaptar a muito mais do que a cegueira. Já não escutava tão bem, perdeu seu amigo com quem dividia o quintal há anos, teve que conviver com reformas na casa e perdeu alguns de seus pontos de referência. Enfrentou doenças e cirurgias, mas se recuperou pra poder continuar passeando na praça da igreja.
E agora, depois de quase 15 anos, consigo entender que foi melhor pra ele. Mas ainda não encontrei palavras pra explicar pro meu coração que faz parte da vida perder os melhores amigos.
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