segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Eu te amo. Eu sei.


Sabemos todos que amor não pede retorno. Amar, mas amar de verdade, é sem olhar a quem – a quando, a onde, a porque. Bonito, elegante, sincero. Mas, cá entre nós, todo mundo quer sim um retorno... e uma resposta. O que eu desejo, então, é que você não ouça de volta “eu também”, mas “eu sei”. Alguns porque vêem nos olhos, lêem nos sorrisos, se apertam nos abraços, se perdem nos beijos. Outros porque tem sempre aquele toque, um carinho, um cheiro. Tem quem vai sempre saber pelos grandes gestos, enquanto outros terão certeza graças às pequenezas de todo dia. Pelas atitudes que gritam, quando é admiração, orgulho, alegria; pelos silêncios que calam o mundo, quando é saudade, inquietação, angústia. Tem quem vai saber pelos telefonemas apenas pra dizer um oi, pelas mensagens que apitam sem novidades, pelos encontros em corredores e esquinas; ou quem vai pensar na distância, que parece correr atrás do tempo, indo constante pra mais longe, impedindo amor de ser rotina, mas nunca de ser sentido. Tem ainda quem não vai ter dúvida, porque vê todo dia o outro construir ao redor de si a sua vida. Que você ame. Muito. Sempre. Do seu jeito. Mais que isso: que você possa ouvir e dizer, com frequência, “eu sei”.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A mulher, o caixa eletrônico e a vida.


Era uma vez um casal que, de férias, passeava pelas deliciosas ruas de Versailles, na França. Apaixonados, deslumbrados, mãos dadas, jogavam conversa fora, imaginando como corria a vida por ali, apontando casas nas quais gostariam de viver, procurando em cada canto um detalhe pra guardar na foto e na memória. Em meio a estas esquinas, uma mulher, apressada, se coloca à frente de um caixa eletrônico (que ali fica assim, na rua, mesmo). Quando abre a carteira para sacar o cartão, deixa voar um pedaço de papel, ansioso pra se deitar naquela bonita e histórica rua de pedra. O rapaz se abaixa e o resgata. Um bilhete, um comprovante de pagamento, um número de telefone. Ele não sabia o que era, mas viu de onde tinha escapado. Ele aborda a mulher cheio de dedos e educações, enquanto ela responde, sem mesmo se virar, “não, obrigada”. Ele insiste. Ela também. Não, obrigada. Não sou obrigada. Obrigada a recusar ambulantes que insistem como se eu fosse turista, ou turistas que se enfiam pelo meu caminho a pedir informações ou trombam com a minha pressa enquanto buscam esse ou aquele ângulo pra uma boa foto. Claro que a mulher nada disso disse, é apenas o que penso que ela, então, pensou. O rapaz, de novo, insiste, enquanto tenta explicar que nada oferece, nada pede; quer apenas devolver aquele pedaço da vida que lhe escapou da carteira. Sem graça, a se desculpar, a mulher pela primeira vez decide levantar o rosto. Agradece, pede de novo desculpas. O casal sorri, como quem insiste que tudo bem. Da mulher não tenho ideia. Do casal, sei que continuou a perambular, sem pensar em nada que não fizesse parte daquela pintura que se estendia ruas e ruas à frente, com as casinhas de pedra, as lojinhas de antiguidade, os cafés, as mãos dadas, os passos sem rumo. Quase um ano depois, a memória da moça resolve, por aqueles caprichos que nos fogem a razão, pensar na mulher apressada da rua de Versailles. Ela, não mais a passeio, encarava a água gelada da torneira da pia e, enquanto ensaboava e enxaguava, pensou naquela mulher como uma metáfora da vida. Como o quanto é frequente que a vida queira nos oferecer algo, seja um pedacinho de nós que volte cheio de saudade, seja pedacinho do outro que quer se ver junto da gente, mas nós não nos viramos. Continuamos a encarar a tela do caixa eletrônico, dispensando a vida sem lhe olhar nos olhos, sem nem mesmo saber do que se trata, pra depois tentarmos, com desculpas e embaraços, reverter a situação. Não importa o lugar, não importa a pressa. Bom mesmo é quando a gente consegue enxergar o que o tempo, as pessoas, os acontecimentos nos cutucam a oferecer, antes que aquele pedacinho de vida dobre a esquina. Antes que seja tarde.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

De sonho a memória

A gente passa a vida sonhando. De repente, quase no susto, sonho se transforma em planejamento, que logo se faz calendário e mais rápido ainda vira presente. Você tenta se agarrar ao ponteiro do relógio, pra que ele não corra. Mas ele segue... E parece que ainda com mais pressa, enquanto você vê, bem ali, na sua frente, o que tantas vezes passou pela imaginação. Então você acorda. E o que um dia foi sonho já se faz memória. Faz ter ainda mais vontade de sonhar, e transformar muitos mais desses sonhos em lembranças.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Onze

Há exatos onze anos, também em uma sexta-feira, saí com as amigas pra rir e dançar. Voltei pra casa acompanhada de passos e beijos e abraços e conversas e carinhos que ainda hoje caminham ao meu lado, num fazer rir e querer dançar eterno.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Alma




Alma é um romance que nasce do enlace da oralidade com a fabulação, em trânsitos de linguagem que unem memória, apropriação, experiência e inventividade. Histórias, causos, lembranças compartilhadas pelos avós, pais e tios da autora se fazem ponto de partida para a construção do cenário cotidiano de outros tempos, pano de fundo da trama, bem como para a composição das personagens. Alma se apresenta ao leitor como um convite à curiosidade, à adivinhação, à tentativa de distinção entre memória e ficção em meio às páginas do livro.

Editoras, atenção: carinho com meu original, que está chegando aí, pedindo espaço e atenção ;)

domingo, 19 de janeiro de 2014

Carta aberta aos médicos que salvaram a vida da minha mãe



Foi num dia de férias na praia, há dezessete anos, que ela sentiu aquela pontada, aquela dor, pela primeira vez. Só tinha na bolsa um remédio leve, que tirava febre dos filhos ainda crianças. Tivesse o primeiro médico, que pediu aquele primeiro exame, sabido ler os resultados, talvez a vida dela pudesse ter sido diferente. Afinal, em meio àqueles resultados coloridos – é até bonito o exame – era possível notar, mesmo por olhos leigos, uma mancha na altura do quadril, do lado direito. Mas o que era aquilo, o que significava aquela mancha no exame, circulada pela caneta do médico? Ele não soube dizer. Nos dezessete anos seguintes (reforço: dezessete. Anos.) ela passou por muitos consultórios e diagnósticos. Passou também por momentos de dor que eu não consigo calcular, mas que a fizeram transforma-se em alguém que chegou a tomar onze diferentes medicamentos em um só dia, alguém que não conseguia subir mais que um lance de escadas sem se sentir completamente esgotada, que não podia mais fazer uma caminhada ao fim do dia, que chorava ao sentir as pernas “serem arrancadas por um tubarão”, que passou todas as noites dos últimos seis meses em uma cadeira, porque deitar já era doloroso demais. Alguém cujo maior sonho é ser avó e que já dizia não mais querer netos, pois não aguentaria brincar com eles. Anos de dor que arrancavam de seus olhos incontáveis lágrimas e de seu coração a esperança. Anos de visitas a médicos que não sabiam o que ela tinha – dentre eles, alguns se esforçaram, outros lhe deram esperanças; alguns se enganaram, outros tentaram convencê-la de que precisava mesmo era de ajuda psiquiátrica, o problema estava era em sua cabeça. Não foram médicos os únicos a fazerem tal julgamento. Foram incontáveis as vezes em que a vi chorando, desejando que se abrisse um machucado enorme, ou que lhe arroxeasse a perna, ou coisa outra qualquer que fizesse acreditar em sua dor. Tentei sempre dizer que esquecesse, deixasse de lado. Nós acreditávamos. Mas a desconfiança a incomodava, machucava. Morar em outra cidade me fazia às vezes, por alguns dias, esquecer da dor. Ela disfarçava. Nos falamos todos os dias, mas em muitos ela me enganava, se dizia bem. Existiram, sim, dias – nestes dezessete anos – em que ela não recebeu a visita da dor mais lancinante, mas quando vinha, ela assuntava por outros lados, desviava minha atenção. Soube disso apenas quando fui, de férias, passar o mês com ela e meu pai. Fazendo uma média, era como se, a cada dois dias, a dor a tomasse por inteiro. Passava não só a noite, mas o dia todo em sua cadeira. Sem conter as lágrimas. Eu, impotente como nunca antes, nada mais fazia do que ficar ao seu lado, conversando, segurando sua mão, tentado, de alguma forma, fazer com que se esquecesse – como se fosse possível desviar o pensamento de alguém que é consumido pela dor. No último ano, 2013, a dor parecia ainda mais intensa. Ela algumas vezes me disse que sua validade estava acabando. Foi nessa época que a Dra. Fernanda*, atenciosa e interessada, instigada a encontrar para minha mãe se não a cura ao menos um alívio, ouviu sua queixa: a dor se espalhava pelo corpo, mas o lado direito do quadril parecia ser o ponto mais crítico... por que médico nenhum dava atenção a isso? Foi então que a Dra. Fernanda a encaminhou para uma consulta com um especialista em quadril, Dr. Gustavo**. Ele não queria saber de exames, quis saber dela. A fez andar pelo consultório, examinou, conversou. Encontrou. Ela teria que fazer um exame para ter certeza. E, com a confirmação, veio a indicação do Dr. Vassalo*** para a cirurgia – artroscopia de impacto femuro-acetabular. O problema era no quadril, mas era tão grave, e se passaram tantos anos, que o cérebro passou a mandar a dor para vários pontos do corpo, em busca de cura. Lembro que, na fila da primeira consulta com o cirurgião, ela tinha em mãos uma lista com os nomes dos 23 médicos que a tiveram em seus consultórios nestes dezessete anos. Os nomes dos médicos, as cidades, os diagnósticos. Lembro bem de rirmos do diagnóstico da Dra. Fernanda: só Deus sabe. Era isso. Por dezessete anos, só Deus soube. Mas, finalmente, os médicos pareciam também entender. A cirurgia foi marcada para o dia 23 de dezembro. Pra mim, pra ela, pra nossa família, pra amigos que a querem bem, foi um milagre de Natal. Um milagre. De acordo com o Dr. Vassalo – que, na primeira consulta, havia dito que era muito grande sua lesão – no momento da cirurgia descobriu ser dez vezes pior do que ele havia pensado. Disse ainda, quase um mês depois da cirurgia, que há anos não via uma lesão como aquela. Que não conseguia imaginar a dor que ela sentia, como ela aguentava. Ela, claro, chorona que é, deve ter molhado toda a sala dele. Como estou molhando agora meu teclado. Ela está curada. Foram dezessete anos de dor. Dezessete anos. Não era uma dor de batida do dedinho do pé numa quina, ou de um ralado no joelho. Era dor que a impedia de dormir deitada em sua cama, dor insuportável. Dor que, graças a Deus, à Dra. Fernanda, ao Dr. Gustavo e ao Dr. Vassalo, ficou pra trás. Não existe mais. Ela, na cadeira de rodas até que se recupere da cirurgia, me disse que, pudesse escolher, preferiria a vida naquela cadeira e sem a dor que sentia, do que viver sobre suas próprias pernas em companhia daquela dor. Eu acredito. Não era exagero. Veio do coração. Foi sincero. Eu acredito. E fico imensamente, indescritivelmente feliz, em saber que os dezessete anos ficaram para trás. Ela não tem mais dor. Minha mãe não tem dor. Cada vez que penso nisso me vem um sorriso de milagre. É um milagre. É medicina, mas é também um milagre. Porque eu cheguei a pensar, muito mais que uma ou duas vezes, que só mesmo um milagre faria diferente a situação. Este texto foi um jorro, um escape – bem maior do que eu imaginei que seria, confesso – meus dedos se mexendo a dizer um monte de coisas que eu fico dizendo a mim mesma, aqui dentro da minha cabeça. Foi um dizer a estas três pessoas, Dra. Fernanda, Dr. Gustavo e Dr. Vassalo, que vocês mudaram a vida da minha mãe, a minha vida, a vida do meu pai, dos meus irmãos, dos meus avós, dos meus tios, primos, e de tantas outras pessoas que gostam da minha mãe – e eu sei, são muitas, porque ela é mesmo incrível. Agradecer e dizer que nunca nos esqueceremos de vocês é pouco, tão pouco perto da mudança que causaram em nossas vidas... Mas é tudo o que eu posso fazer agora. Obrigada. Muito obrigada. Todos os dias quando acordarem, todas as noites quando forem dormir, lembrem-se, estarei eu lhes dizendo o mais profundo e sincero obrigada. Obrigada por salvarem a vida da minha mãe.

*Dra. Fernanda Leonel Nunes – Passos/MG
** Dr. Gustavo Sansoni Soares – Piumhi/ MG
*** Dr. Carlos Cesar Vassalo – Belo Horizonte/ MG